A atuação do BRICS, bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se estrutura a partir de dois pilares: 1) reforma dos mecanismos de governança econômica mundial nos fóruns responsáveis pela regulação financeira (FMI, Banco Mundial); 2) cooperação entre os países do grupo em diversos setores (financeiro, agricultura, ciência e tecnologia, saúde, comércio, segurança e energia) buscando, por consenso dos membros, uma agenda comum que se estruture a partir da colaboração e do potencial dos membros do bloco. Mais recentemente dois projetos retratam este avanço. Estamos falando do Novo Banco de Desenvolvimento (ou New Development Bank) e do Arranjo Contingente de Reservas ( ACR).
Qual é o modelo de desenvolvimento que os BRICS pretendem promover? Quais são os possíveis impactos das atuações nas populações daqueles países que receberão seus investimentos? É a partir dessas indagações que a sociedade civil organizada dos países BRICS tem dedicado esforços para influenciar o debate.
Ainda que frágil e com diferentes intensidades de articulação e mobilização na sociedade civil de cada país, há um processo de engajamento, de solidariedade transnacional, troca de de informações e debate em curso entre organizações e movimentos nos processos relacionados ao bloco. A opacidade das negociações e a falta de informações sobre os trabalhos dos 5 países, que contam ainda com pouca cobertura midiática, contribui para fragilizar a possibilidade de engajamento. Além disso, dentro dos BRICS coexistem múltiplas situações no que diz respeito à sociedade civil e múltiplos entendimentos sobre as potencialidades ou desafios concernentes ao bloco. Mesmo diante destas dificuldades, a sociedade civil do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul vêm se organizando para aprofundar o conhecimento sobre os processos. Há um esforço significativo para fortalecer os links de solidariedade e possíveis convergências em estratégias de resistências ligadas às agendas domésticas. Neste âmbito, as entidades querem impactar a atuação de cada um dos países do bloco, disputando o sentido dos debates, como no caso do desenvolvimento sustentável.
Desde a V Cúpula dos Chefes do Estados, em Durban (África do Sul, 2013), a sociedade civil organiza eventos e seminários paralelos à programação oficial a fim de buscar sinergias, fortalecer sua articulação e traçar estratégias conjuntas de ação. Essa foi a intenção dos BRICS from Below, em Durban e nos Diálogos sobre o desenvolvimento: o BRICS da perspectiva dos povos, na VI Cúpula, em Fortaleza (2014). Ainda em 2014, merece destaque a grande participação dos movimentos de mulheres na organização do “Primeiro Fórum das mulheres dos BRICS”.
Já em 2015, durante a VII Cúpula de Ufá (Russia), o governo russo criou o Civil BRICS, um espaço de participação social oficial no âmbito da cúpula. Essa inciativa foi controversa e dividiu opiniões da sociedade civil organizada. Por um lado, alguns setores deste campo afirmam que o Civil BRICS é um espaço de participação ilegítimo, pois a decisão dos temas, métodos e participantes ficou a cargo do governo russo. Por outro lado, outra parcela acredita que tal iniciativa significou um reconhecimento institucional de que a sociedade civil organizada é um ator pertinente e deve ser incorporado aos debates oficiais dos BRICS. Há uma proposta da sociedade civil para conformação de um canal de diálogo institucional, porém autônomo e auto-organizado, nos moldes do fórum empresarial e o acadêmico. A VIII Cúpula, a ser realizada em novembro de 2016, sob a presidência do Governo Indiano, pode constituir um ponto de inflexão importante. Considerando que em 2017 a presidência será chinesa, a institucionalização de um canal de diálogo representativo da sociedade civil e com autonomia organizativa pode ser um precedente importante.
De modo geral, as ONGs, movimentos sociais e entidades civis apresentam críticas ao modelo de desenvolvimento baseado no extrativismo e na exportação de commodities. Este é o padrão que vigora nos países dos BRICS atualmente. Outros temas transversais que concernem à sociedade civil dos cinco países são o Novo Banco de Desenvolvimento; empresas transnacionais e direitos humanos; padrões de concentração de riqueza, propriedade e renda.
Desde o anúncio sobre o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) dos BRICS, em 2014, a sociedade civil tem se mobilizado para cobrar que as atividades do banco sejam guiadas por regras que promovam a transparência e o respeito aos direitos humanos. Entretanto, o anúncio dos primeiros empréstimos (previstos para Abril de 2016) aconteceu antes da definição de critérios de investimentos ou de salvaguardas ambientais e sociais.
Em carta aos BRICS, organizações dos cincos países marcaram quatro demandas ao NDB. São elas: 1) Promover desenvolvimento para todos, apoiando um modelo inclusivo, acessível e participativo de acordo com as escolhas das comunidades; assim, priorizando investimentos transformadores que não se restrinjam aos megaprojetos; 2) Ser transparente e democrático. O NBD deve garantir que as informações sob sua guarda, a elaboração de políticas internas e suas operações sejam transparentes, acessíveis e participativas, para que as comunidades possivelmente impactadas pelas atividades do banco tenham acesso à informação e a possibilidade de influenciar e moldar as decisões de investimentos; 3) Fixar regras robustas garantindo que as populações e o meio ambiente compartilhem dos benefícios de suas atividades, dessa forma, garantindo que as normas sejam respeitadas; 4) Promover o desenvolvimento sustentável. Acredita-se que este conceito deve ser a espinha dorsal do mandato do NBD.
Em abril deste ano, uma carta produzida por organizações da sociedade civil dos países BRICS demandou aos governos do bloco e aos representantes do NBD que as operações do banco se orientassem pela transparência e participação. Estes dois princípios seriam fundamentais para que os padrões sociais e ambientais sejam adequadamente inseridos na sua estrutura. Em um dos trechos, o documento defende que: “Se o NBD quer desenvolver uma nova abordagem para acessar os impactos ambientais e sociais, ele deve faze-lo aprendendo com experiências passadas de outros bancos multilaterais de desenvolvimento e ouvir diferentes perspectivas, não apenas minando a participação social nesse estágio da política de desenvolvimento.”
Textos
O BRICS Voice é uma publicação trimestral que visa maior engajamento das organizações da sociedade civil dos países BRICS a fim de promover a inclusão e o monitoramento de políticas. A seguir, segue a edição de novembro de 2015 que apresenta um texto de Himanshu Damle, a respeito do Banco dos BRICS. http://www.vasudha-foundation.org/wp-content/uploads/BRICS-Voices-2-Final_low_res.pdf
Segue abaixo outra edição do BRICS Voice. Na seção 1 desta publicação, as dinâmicas da sociedade civil no debate do bloco ficam em evidência nos textos de autores indianos e brasileiros.
http://www.vasudha-foundation.org/wp-content/uploads/FINAL-BRICS-NEWSLETTER-FIRST-ISSUE-SPETEMBER-2015.pdf
Esta publicação é uma iniciativa do INESC, junto com a REBRIP (Rede Brasileira Pela Integração dos Povos). Também colaboram em co-autoria alguns parceiros dos países membros do BRICS. Através dos textos o leitor identificará um rico campo de especificidades próprias à história de cada país, bem como um conjunto de similares e pontos em comum que nos ajudam a vislumbrar os desafios a serem enfrentados conjuntamente pelas organizações e movimentos sociais dos países do bloco. Segue o link:
http://obs.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=585:http-www-inesc-org-br-biblioteca-noticias-biblioteca-textos-livros-brics-2013&Itemid=131
Durante os dias 14 e 15 de julho aconteceu, em Fortaleza a VI Cúpula dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sob o tema “Crescimento Inclusivo: Soluções Sustentáveis”. A agenda da cúpula esteve marcada pelas definições e acordos finais referentes a dois instrumentos financeiros que selam a institucionalização do bloco: o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas. Neste post Melissa Pomeroy apresenta um panorama conciso deste encontro. Segue o link: http://obs.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=247:vi-cupula-dos-brics-fortaleza-2014&Itemid=131
Leia aqui a carta produzida por diversas entidades da sociedade civil brasileira por ocasião da VII Cúpula dos BRICS, em Ufa, na Rússia. As organizações delinearam quatro princípios fundamentais que devem ser considerados pelo Novo Banco de Desenvolvimento. http://www.rebrip.org.br/noticias/grupos-da-sociedade-civil-propoe-novo-modelo-de-desenvolvimento-para-o-banco-dos-8872/
Em junho de 2015, a Conectas Direitos Humanos e a REBRIP (Rede Brasileira pela Integração dos Povos) entregaram ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado uma declaração sobre o papel da sociedade civil na construção do NBD. Segue o link: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2015/junho/sociedade-civil-pede-transparencia-na-aprovacao-do-novo-banco-do-brics
Ana Garcia (2014) constrói uma reflexão interessante neste texto. Para a autora, o Novo Banco de Desenvolvimento coloca um grande desafio aos movimentos e organizações sociais. Somente depois dele é possível falar dos “BRICS” como agrupamento relativamente coerente, com uma instituição que os identifica. Segue o link: http://www.pacs.org.br/2014/08/01/construindo-os-brics-pelas-bases-confira-o-artigo-de-ana-garcia-sobre-a-vi-cupula-dos-brics/
"The relative economic decline of the United States, Europe and Japan is often linked to the rise of an ‘emerging’ bloc comprising Brazil, Russia, India, China and South Africa. In 2013, meetings of BRICS leaders in Durban, South Africa, and St. Petersburg, Russia announced dissatisfaction with the Bretton Woods Institutions and the intention to create a BRICS New Development Bank, with capital of $50 billion, and launch a Contingent Reserve Arrangement with $100 billion." https://grupoemergentes.wordpress.com/2014/07/07/tensoes-mundiais-world-tensions-introduction-to-the-special-issue-critical-perspectives-on-the-brics/
Notícia divulgada na Reuters Africa registrando o anúncio do primeiro lote de empréstimos a ser concedido pelo Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS. Segue o link: http://af.reuters.com/article/investingNews/idAFKCN0W00IS
Nesta carta, produzida por 5 organizações da sociedade civil de cada um dos países BRICS, demanda-se à direção do banco o compartilhamento de informação e a discussão sobre como avançar no diálogo participativo com as entidades sociais. Segue o link: http://rightsindevelopment.org/wp-content/uploads/2016/04/NDB-Advocacy-letter.pdf