Cooperação no âmbito dos BRICS: Cibersegurança

Autor: Gustavo Macedo Data de inserção: 03/03/2016

 

A atenção sobre as questões que envolvem cibersegurança, soberania e governança global vem crescendo nos países dos BRICS nos anos recentes, como discutido no 6º Fórum Acadêmico dos BRICS de 2014 (IPEA, 2014). O tema, que vinha sendo tratado marginalmente nas cúpulas oficiais, ganhou destaque a partir de 2013 (Ebert e Maurer, 2013) coincidindo com as denúncias de espionagem feitas pela Agência de Segurança Norte-americana (NSA) sobre as comunicações entre altos funcionários ligados às chefes do Executivo no Brasil e na Alemanha. (Souza, 2014) Embora haja concordância sobre a importância de envidar esforços conjuntos para a diminuição das ameaças estatais e não-estatais, os BRICS ainda não alcançaram um consenso para a implementação de políticas concretas. Limitações do Bloco e individuais sugerem a dificuldade de construir uma alternativa à segurança internacional informacional autônoma em relação aos modelos e recursos tradicionais do Ocidente. A concentração de servidores de internet em países no Norte, a difusão de novas tecnologias de informação e modelos de gestão e armazenamento dos dados configuram tais limitações dos países do Sul. Todavia, o debate se intensificou desde então, amplificando o escopo da cibersegurança através da cooperação, capacity-building, pesquisa & desenvolvimento, criminalização e governança global.

O crescimento econômico das respectivas regiões dos BRICS levou à ascensão social, econômica e tecnológica. O aumento do número de novos usuários com acesso à internet nos países dos BRICS foi notável durante a última década. Em 2001, 4,53% da polução brasileira tinha acesso ao recurso, saltando para 45% em 2011. A Rússia apresentou respectivamente 2,94% para 49%; enquanto Índia foi de 0,66% para 10,07%; China de 2,84% para 38,30%; e África do Sul de 6,35% para 21% de suas populações (Fernandes et al, 2013).  E a projeção para os próximos anos é de que as regiões onde haverá o maior crescimento de usuários será na América Latina, África e Ásia.[1] Este crescimento é apontado como uma das principais causas de preocupação sobre a cibersegurança devido ao processo de adaptação e aprendizagem da população e das instituições locais. Consequentemente, a vulnerabilidade às ameaças cibernéticas, como ciberterrorismo, espionagem, segurança de compartilhamento de informações, gerenciamento de incidente, e crimes cibernéticos de diferentes naturezas, inclusive econômica.

De acordo com a empresa de segurança McAfee, a maior incidência de crimes cibernéticos entre os países do BRICS se dá na Rússia, China e África do Sul, onde a conectividade é alta mas o conhecimento baixo por parte da maioria dos usuários comuns. Os custos percentuais do cibercrime em relação ao PIB dos países, entretanto, afetam em maior medida as economias da China (0,63%), Brasil (0,32%), Índia (0,21%), África do Sul (0,14%) e Rússia (0,10%) (McAfee, 2014).

Os cibercrimes não se diferenciam de outros crimes em relação a natureza dos atores, sendo eles nacionais, internacionais e transnacionais. Recente estudo baseado nos dados compilados sobre essa forma de ameaça classificou a atividade de acordo com seus principais agentes e motivações:

Tabela 1. Principais cibercrimes, seus atores e motivações

 

Estado-nação

Crime organizado

Hackerativismo

Motivações gerais

Espionagem

Influência

 

Financeiro

 

 

Reputação

Social

 

Exemplo de tipos de informações

Código fonte

Emails

Documentação interna

Atividade militar

Informação pessoal identificável de funcionários de governo (PII)

Informação de dados bancários

Dados de cartão de crédito

PII (incluindo números de seguro socal, saúde, etc.)

Emails

Informação de funcionários

Qualquer dado interno sensível

 

 Fonte: McAfee Labs, 2015

No que se refere às ameaças não-estatais, Shen Yi, vice-diretor do Center for the BRICS Studies, enumera os riscos dos crimes cibernéticos: (i) o abuso de vantagens pela hegemonia do projeto PRISMA[2] para ter acesso a informações secretas de outros governos, (ii) a falta de confiança e o ‘dilema de segurança’, (iii) o acidente ou lançamento não autorizado de armas cibernéticas, e o (iv) ciberterrorismo (Shen Yi, 2015). Ainda segundo o especialista, a cibersegurança também pode ser entendida em seus aspectos militares, políticos e econômicos. Militarmente, os impactos são sobre uma possível revolução armamentista, espionagem e sabotagem, e desestabilização da construção da balança de confiança. Do ponto de vista político, reconhece-se a possibilidade de impacto sobre questões domésticas e manifestações sociais. Economicamente, o cibercrime ameaça infraestruturas estratégicas como distribuição de recursos e abastecimento, além de ambiente de confiança para a realização de atividades comerciais e financeiras.

Candice Moore, representante da África do Sul no Fórum Acadêmico sobre Cibercrime, tem diagnóstico semelhante ao do representante chinês. Para a pesquisadora, essas ameaças desestabilizam a segurança nacional e regional dos respectivos países. Além disso, representam, como no caso do projeto PRISMA, um desequilíbrio ao acesso de informações entre o Ocidente e o restante do mundo. Portanto, conclui a pesquisadora, os BRICS deveriam (i) criar um espaço de compartilhamento de informações e boas práticas para alavancar a capacidade de combater o cibercrime por atores estatais e não-estatais, (ii) as instituições nacionais responsáveis por esta coordenação deveriam ser as respectivas agências de inteligência e, por fim, (iii) sua abrangência imporia a necessidade de discutir o tema com setores chaves do empresariado nacional (Moore, 2014).

Por outro lado, as considerações do enviado da Índia sobre o tema aproximam-se do posicionamento do Brasil. Segundo Nandan Unnikrishnan, caberia às Nações Unidas a condução do debate sobre o futuro de Tecnologias de Comunicação e Informação (ICT, em inglês) assim como a regulação internacional do tema pela organização (Sarvjeet, 2015). A organização, argumenta, já possuiria a estrutura e legitimidade perante a comunidade internacional para tratar a questão. O argumento alinha-se também com a posição de fortalecimento do Conselho de Segurança da ONU defendida pela Índia e Brasil, em outro espaço, o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). Nesse sentido, defendem que a organização deve tratar com a devida atenção um tema com potencial de conflito capaz de desestabilizar a ordem e a segurança internacionais, isto é, preceito de atuação do Conselho. Posicionamento semelhante sobre o fortalecimento do papel da ONU está na Declaração do BRICS em 2013, Durban, e repete-se em 2014, Fortaleza, e 2015, Ufá.

Foi durante a 5ª Cúpula dos BRICS (2013), em Durban, África do Sul, que os países assinaram a Declaração eThekwini, na qual reconhecem a urgência da cibersegurança:

“Reconhecemos o papel fundamental e positivo que a Internet desempenha em nível mundial na promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural. Acreditamos que é importante contribuir e participar de um ciberespaço pacífico, seguro e aberto e enfatizamos que a segurança no uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), por meio de normas, padrões e práticas universalmente aceitos é de extrema importância.”

A declaração de março de 2013 foi procedida por outro momento chave no debate sobre os BRICS e a governança da internet: a abertura da 68ª Reunião da Assembleia Geral da ONU (Ebert e Maurer, 2013). Na ocasião, a Presidente do Brasil, Dilma Roussef, anunciou uma alternativa de infraestrutura de internet que deveria substituir a dependência dos EUA. O “BRICS cable” deveria ser construído de Fortaleza à Cidade do Cabo, de lá para Chennai, Shantou e finalmente Vladivostock. A proposta brasileira na ONU, inicialmente apoiada pelos demais países do bloco, não havia deixado o papel até 2015, e foi vista com ceticismo, pois seria insuficiente para impedir a espionagem, ou proteger os dados transmitidos entre os BRICS e outros países. Contudo, seria uma oportunidade para gerar cooperação de infraestrutura e consenso de normas internacionais e nacionais de internet entre os cinco países (Moore, 2014)

Apesar da não concretização da ideia brasileira, a agenda de cibersegurança passou a ser adotada nas declarações conjuntas da Cúpula do BRICS em 2013, 2014 e 2015. Em ambas, os representantes reconhecem o risco da ameaça de atores transnacionais para a segurança nacional. Mas condenam a espionagem e coleta de dados por qualquer ator, estatal ou não – como violação da soberania e dos direitos humanos de seus cidadãos; conforme expresso na Declaração de Ufá (2015) “Reiteramos nossa condenação de vigilância eletrônica em massa e da coleta de dados de indivíduos por todo o mundo, bem como a violação da soberania dos Estados e dos direitos humanos, em particular, o direito à privacidade.

A ausência, porém, em 2015, de uma iniciativa concreta na direção de um projeto de intraestrutura para a internet foi contra as expectativas de especialistas que acompanhavam a Cúpula de Ufa, na Rússia (Agência Sputnik, 2015). De acordo, com Tim Steves, a dificuldade no avanço da cooperação em matéria de cibersegurança entre os BRICS pode ser entendida pela variedade de interesses nacionais em jogo, e a existência de parceria interBRICS, ou bilaterais (como Índia e EUA). A China não estaria disposta a dividir com os parceiros seus segredos de tecnologia da informação. A Rússia estaria assumindo uma estratégia ambígua ao não deixar claro para os demais quais os recursos tecnológicos de que dispõe. África do Sul, por outro lado, teria pouco a oferecer neste sentido. Enquanto o Brasil correria o risco de ser o mais vulnerável em matéria de informação (Stevens, 2015).

Durante a Cúpula de 2013, um Grupo de Trabalho Especializado em Cibersegurança dos BRICS foi estabelecido para encontrar alternativas viáveis para o bloco que não choquem com os interesses nacionais particulares (Brasil 2013, China Daily, 2013). De acordo com a página oficial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil , o “Grupo de Trabalho sobre Segurança Cibernética, [...] deverá, entre outros objetivos, levar em consideração os desenvolvimentos em matéria de segurança cibernética nos foros internacionais e coordenar um enfoque do BRICS nessas instâncias” (Brasil, s/d). Com efeito, o grupo deverá desenvolver os pontos apresentados pela Rússia no documento “Concept of the Russian Federation’s Presidency in BRICS in 2015-2016”, o qual estabelece que para o mandato de 2015-2016, seus líderes devem fazer dos BRICS uma liderança coletiva em matéria de cibersegurança e internet, instituindo um mecanismo para fortalecimento do IIS (acrônimo em inglês, International Information Security), “internacionalização da governança da internet, e desenvolvimento de regras de comportamento responsável dos estados no ciberespaço”. O documento esclarece ainda que o IIS é umas das prioridades da presidência da Rússia, que pretende incentivar a cooperação entre os países do BRICS para a construção de um marco legal na forma de um acordo intergovernamental entre seus membros.[3]

Apesar dos desafios de coordenação, assim como o não avanço da proposta de infraestrutura, existem áreas acordadas de cooperação pelo Grupo de Trabalho, registradas na declaração de UFA, que devem abranger o

“compartilhamento de informações e boas práticas relacionadas à segurança no uso do ICT; coordenação efetiva contra cibercrimes; estabelecimento de pontos nodais nos estados-membros; cooperação intraBRICS através da Equipe de Segurança Computacional e Respostas Incidentes (CSIRT, em inglês); pesquisas conjuntas e desenvolvimento de projetos; capacity-building, e o desenvolvimento de normas internacionais, princípios e padrões.” (Singhhttps, 2015)[4]

 

 

[1] Importante notar que América do Norte e Europa Ocidental apresentam taxas de inclusão digital de aproximadamente 80% da população.

[2] Embora o autor classifique o PRISM como iniciativa não-estatal, o mesmo pertence ao governo dos EUA. O projeto PRISM (ou PRISMA) foi utilizado pela agência NSA dos Estados Unidos para coletas de dados não autorizados da internet. Seu conhecimento veio a público com a denúncia de Edward Snowden em 2013.

[3] Tradução livre do autor

[4] Tradução livre do autor

Referências

Agência Sputnik “Brics cooperam em cibersegurança”, 2015 Disponível em http://www.cibersecurity.com.br/brics-cooperam-em-ciberseguranca/. Acesso, dezembro 2015

BRASIL, Itamaraty “Principais áreas e temas de diálogo entre os BRICS”, s.d. Disponível em: http://brics.itamaraty.gov.br/pt_br/sobre-o-brics/principais-areas-e-temas-de-dialogo-entre-os-brics. Acesso, dezembro 2015

BRASIL, Secretaria de Assuntos Estratégicos. “Primeira reunião do GT dos BRICS sobre segurança cibernética discute o tema na África do Sul”, 2013. Disponível em: http://www.sae.gov.br/assuntos/defesa/primeira-reuniao-do-gt-dos-brics-sobre-seguranca-cibernetica-discute-o-tema-na-africa-do-sul/ Acesso, dezembro 2015

BRICS IV Cúpula, Declaração e Plano de Ação de eThekwini, Março 2013. Disponível em: http://brics.itamaraty.gov.br/pt_br/categoria-portugues/20-documentos/77-quinta-declaracao-conjunta . Acesso, dezembro 2015

BRICS VII Cúpula, Declaração de Ufá, Julho 2015. Disponível em: http://brics.itamaraty.gov.br/pt_br/categoria-portugues/20-documentos/252-vii-cupula-do-brics-declaracao-de-ufa Acesso, dezembro 2015

BRICS Summit. Russia. “CONCEPT OF THE RUSSIAN FEDERATION’S PRESIDENCY IN BRICS IN 2015-2016”. Junho 2015, Disponível em:  http://en.brics2015.ru/russia_and_brics/20150301/19483.html Acesso, dezembro 2015

China Daily. “BRICS officials meet on national security”. 12 de junho de 2013. Disponível em:http://www.chinadaily.com.cn/world/2013-12/06/content_17158699.htm Acesso, dezembro 2015

Ebert, Hannes e Tim Maurer. “Cyberspace and the Rise of the BRICS”, Journal of International Affairs, versão online, 2013. Disponível em: https://giga.hamburg/en/publication/cyberspace-and-the-rise-of-the-bricsAcesso, dezembro 2015

Fernandes L, Garcia A, Cruz P e Willemsens C. Desenvolvimento, desigualdade e acesso à tecnologia de comunicação e informação nos países BRICS. BRICS POLICY CENTER — POLICY BRIEF. Abril, 2013. Disponível em: http://bricspolicycenter.org/homolog/uploads/trabalhos/5991/doc/387987577.pdfAcesso, dezembro 2015

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Souza N, IG Brasília. “Brics ignoram preocupação do Brasil com cibersegurança, mas fecham acordo” Disponível em:  http://economia.ig.com.br/2014-02-10/brics-ignoram-preocupacao-do-brasil-com-ciberseguranca-mas-fecham-acordo.html Acesso, dezembro 2015

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