A Cúpula Social do Mercosul, ao final da presidência pro-tempore do Brasil, realizada em Brasilia nos dias 14, 15 e 16 de julho de 2015 organizou as discussões em tornos de três eixos estratégicos: mais integração (eixo 1), mais direitos (eixo 2) e mais participação (eixo 3). As três estratégias vislumbraram que se avançasse com relação a: um modelo de integração, reconhecimento dos desafios para o futuro do bloco e a livre circulação de pessoas (migrações e o estatuto de cidadania), no eixo 1; a declaração sócio laboral, as diretrizes de educação e cultura em direitos humanos para o bloco e a participação de mulheres, no eixo 2; e a participação social no âmbito do Parlasul, da UPS e do IPPDH, as redes de comunicação popular e o maior envolvimento da população jovem, no eixo 3. O painel inaugural tratou de estimular o debate apresentando a conjuntura regional e enumerando alguns desafios do Mercosul, o que permitiu, ao final, a elaboração conjunta da Declaração de Brasilia que será entregue aos presidentes dos países membros do Mercosul no dia de hoje (17 de julho), quando ocorre Reunião da Cúpula, integrada pelos presidentes dos países.
Nesta XVIII edição da Cúpula Social, estiveram presentes representantes de 6 países (Brasil, Bolivia, Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai). Pela primeira vez nessa história de encontro dos povos do Mercosul, registra-se a participação dos povos africanos (nesta ocasião provenientes do Senegal, Nigéria, Congo e Mali). Trata-se de uma contribuição sem precedentes para as políticas de migrações e refúgios que a região vem discutindo e que revela o bom trabalho das organizações não governamentais. Ao final, este grupo apresentou uma moção para a Declaração de Brasília em que reconhece boas conquistas e um caminho ainda por trilhar.
Reconheceu-se que a participação social no Mercosul foi uma conquista dos povos dos países membros que se beneficiou da chegada ao poder de lideres populares. Um fenômeno regional que coloca a região na vanguarda deste tema no mundo, desde o inicio do século XXI. A participação acontece de duas diferentes formas: o encontro dos povos na Cúpula Social, desde 2006, e a criação de espaços de participação da população em vários órgãos do bloco, como o Parlamento do Mercosul (PARLASUL), o Instituto de Políticas Publicas e Direitos Humanos (IPPDH) e as reuniões especializadas em várias temáticas. O marco, no entanto, para a concretização do envolvimento de grupos da sociedade civil se deu em 2013 com a criação da Unidade de Apoio a Participação Social (UPS).
O PARLASUL, de 2006 (Declaração Constitutiva), mediante a democracia representativa, concretizará as primeiras eleições diretas dos representantes da Argentina no dia 25 de outubro próximo, seguido do Paraguai. O IPPDH, criado em 2009, elaborou seu Plano Estratégico a partir de uma consulta publica de que participou mais de 230 organizações, inclusive por meio virtual, com propostas de atuação no apoio técnico à elaboração de políticas sociais de escopo regional. A UPS, por sua vez, no intuito de concretizar o apoio a participação social nas atividades do Mercosul, esta em vias de construir um cadastro das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais de base, de em negociação para a criação de um Fundo de Participação Social, de contratação de uma pesquisa-diagnostico sobre as Cúpulas Sociais, alem da discussão sobre normas para a participação e o acesso a informações.
O estudo sobre a Cúpula Social esta sendo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA). Com o objetivo de resgatar dados relevantes para análise dos avanços das Cúpulas e de constituir um acervo histórico da participação social no Mercosul. A dificuldade de encontrar dados consolidados nas instituições governamentais dos países do bloco demonstra a importância da pesquisa. O levantamento dos dados será sistematizado em torno das seguintes categorias: temas discutidos; declarações finais dos grupos e das cúpulas; o formato dos foros de discussão; a programação oferecida e os participantes dos encontros. Ela deverá ser publicada até o fim de 2015.
Um das mesas discutiu o tema dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), apesar de o tema não constar na Declaração Final. Ficou clara a falta de coordenação das organizações e movimento sociais dos países em torno do tema, assim como também das instituições governamentais. A despeito de o governos dos países terem articulado seus posicionamentos com organizações do terceiro setor, como no Brasil foi a iniciativa coordenada pela Associação das Organizações Não-governamentais (ABONG), não há ainda qualquer discussão regional sobre o tema. Se se trata de pensar um projeto de integração com políticas de interesse comum na região, é urgente a falta uma coordenação dos esforços, no âmbito de todas as iniciativas do Mercosul, para alem das metas nacionais. O tema deverá entrar na agenda de próximos encontros para as organizações e os movimentos sociais e governos se apropriarem dos objetivos, pensando metas, parcerias e financiamento numa perspectiva regional, com o fim de os ODS sirvam de referência e oportunidade para os países e povos na promoção de políticas setoriais regionais.
Em termos metodológicos, essa Cúpula inaugurou um modelo que vinha sendo requerido pelas organizações brasileiras: um evento promovido pelo e para as OSC e movimentos sociais. Os grupos de trabalho temáticos foram substituídos por debates mais estratégicos e transversais, sendo que cada mesa contou com relatoria e moderadores. Apesar disso, a participação do público participante ficou prejudicada com o pouco espaço reservado para o debate. Não apenas foram poucos os minutos para as intervenções (do tipo residual) ao final das exposições, como também, o formato de disposição das cadeiras seguir um modelo mesa expositora-publico ouvinte. Isso não propiciou um debate horizontal entre as organizações e movimentos presentes. Para as próximas Cúpulas e encontros é importante pensar uma roda com identificação de todos os grupos presentes, com espaço livre para o debate e sem o pressuposto de que há alguns convidados que devem direcionar o debate e iluminar as discussões com dados. Esse é o espaço do bloco mais aberto à recepção de movimentos populares de base, de suas causas e visões de mundo.
De uma forma geral, a necessidade de pensar políticas regionais para questões comuns e a emergência de uma identidade regional ficou evidente. Isto inclui pensar os fundos e financiamentos do FOCEM para reduzir as desigualdades do bloco, buscar uma apropriação dos ODS em beneficio regional, aprovar o estatuto da cidadania, etc. É bem sabido que a fortaleza da Cúpula está em ser interdisciplinar e multidimensional, ao permitir que se discutam distintos temas e faça convergir interesses públicos dos distintos grupos das populações da região. Este é o modelo que se busca atualmente nas políticas públicas e podem encontrar nas Cúpulas Sociais uma oportunidade para de fato formular políticas públicas de baixo para cima, a partir da perspectiva da população de base beneficiária dessas iniciativas, fazendo convergindo interesses dos povos para a formulação de um projeto de integração, claro e conhecido por todos.
E, assim, foi elaborada a Declaração de Brasilia no intuito de fortalecer a agenda social, a participação cidadã “mercosulenha" e de promover a plena integração dos povos da região. Valorizou-se um projeto de desenvolvimento social e feito com apoio dos povos, uma integração que há muito deixou de ser de base comercial e já alcançou propósitos maiores, de integração econômica (produtiva, da força de trabalho), cultural e política. Estou com João Pedro Stédily, que se encarregou das reflexões da cerimônia de encerramento: o ideal mesmo seria que esta fosse a última Cúpula do Mercosul, porque ela deveria se juntar a UNASUL e a CELAC. Estas foram criadas com propósitos mais próximos dos interesses do povo e uma fusão do Mercosul à UnASUL resultaria numa união mais ampla e com mais força em torno de um projeto de desenvolvimento e de integração que atenda mais aos anseios dos povos sul-americanos, latino-americanos, afinal porque valorizar acordos comerciais quando estes estão a serviço do modelo capitalista de desenvolvimento em vez dos povos?
Finalizo com o escritor uruguaio, Eduardo Galeno, homenageado na estreia da programação cultural com a apresentação do documentário sobre sua vida, que foi produzido pelo Canal Brasil e exibido na mostra de cinema dos países do Mercosul (programação cultural da XVIII Cúpula Social). Galeano diz que a América Latina está passando por um período muito criativo e fecundo, se alguém a vê de fora ou de cima, não entende nada; isso, porque somos a pátria das diversidades humanas.
Programa Sangue Latino, do Canal Brasil, gravado em 2009.
O jornalista e escrito uruguaio, Eduardo Galeano, autor de As Veias Abertas da América Latina fala sobre a cidade de Montevidéu, onde vive e também sobre a morte de seu cachorro.
https://www.youtube.com/watch?v=w8rOUoc_xKc