Novos Modelos de Desenvolvimento e Cooperação Internacional no século XXI: Diplomacia Social, Consenso de Pequim, BRICS e multi-alinhamento

Autor: Klei Medeiros Data de inserção: 23/08/2016

 

Klei Medeiros

Professor de Relações Internacionais na PUC-Minas, Mestre em Ciência Política na UFRGS, Bacharel em Relações Internacionais na UFRGS, Bacharel em Administração na PUCRS e Pesquisador do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais – NERINT.

 

Embora haja controvérsia em relação às diferenças da Cooperação Sul-Sul promovida pelos BRICS daquela promovida pelos países do Norte, as discussões recentes em foros internacionais especializados em Cooperação Sul-Sul têm prezado pela noção de que esta se coloca cada vez mais como uma alternativa (e não uma complementaridade) em relação à Cooperação Norte-Sul. As transformações verificadas na virada do século XX para o século XXI demonstram uma mudança na forma de governança global, em paralelo ao surgimento de novos modelos de desenvolvimento que resgatam a centralidade do Estado (Consenso de Pequim) e, no âmbito da cooperação, se colocam como alternativa ao modelo tradicional de “ajuda” atrelado ao FMI, ao Banco Mundial e à OCDE. Mesmo que hajam diferenças em termos de poder entre países do Sul, com o protagonismo crescente dos BRICS, existe uma visão comum em torno da dificuldade de promover o desenvolvimento e a igualdade social no âmbito interno. Isso legitima a cooperação dos BRICS e permite que as relações entre a semiperiferia e a periferia continuem se dando em bases mais horizontais, embora atreladas a um componente revisionista da ordem internacional em que a multipolaridade é preferível em relação à unipolaridade e a hegemonia do Consenso de Washington da década de 1990. Assim sendo, a periferia no Pós-Guerra Fria possui uma gama mais ampla de opções estratégicas, o que indica que uma maior multipolaridade tem trazido benefícios para a periferia, resultando em novas alternativas de alinhamento e cooperação.

A partir de meados da década de 1990 ampliam-se de forma gradual as contestações ao neoliberalismo, à globalização assimétrica e à unipolaridade norte-americana, em função das sucessivas crises econômicas que atingiram diferentes regiões do Ásia, África e América Latina e da percepção sobre os efeitos perversos das políticas macroeconômicas liberalizantes em termos sociais. A realização da Cúpula de Desenvolvimento Social de Copenhague em 1995 mobilizou a opinião pública mundial em torno da causa, sinalizando a necessidade de práticas de gestão mais atentas à pobreza e à desigualdade em países em desenvolvimento. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio instrumentalizaram metas para os governos nacionais seguirem, fazendo-os darem mais atenção aos indicadores sociais, em contraponto ao Consenso de Washington. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em informe divulgado em 2000, relacionou a pobreza a uma “violação de direitos humanos”, considerando-a, portanto, como um dos grandes desafios para o século XXI (PNUD, 2000).

            Por conseguinte, as novas abordagens teóricas passaram a privilegiar uma visão integrada da economia e da política social, ou seja, de crescimento com inclusão social. Porém, diferentemente do período desenvolvimentista, no momento atual é criticado o determinismo economicista e a agenda social é colocada em pé de igualdade em relação à agenda econômica. Segundo Diniz (2010, p.13), “o desenvolvimento passa a ser percebido a partir de uma ótica distinta daquela que havia marcado a era desenvolvimentista, cuja prioridade absoluta era o crescimento econômico” e, no momento atual, “incorpora as dimensões da ética, da equidade e da sustentabilidade, três dimensões que se articulam objetivando a construção do bem-estar coletivo”. Uma das consequências disso é a proliferação de novos indicadores sociais como o Índice de Desenvolvimento Social, Índice de Progresso Social e Índice de Desenvolvimento Humano.

            Em alguns países em desenvolvimento, as visões novo-desenvolvimentistas e neodesenvolvimentistas surgidas no início do terceiro milênio passaram a apresentar novas propostas de desenvolvimento que se autoproclamam como uma evolução tanto em relação ao neoliberalismo quanto com o desenvolvimentismo do século XX. O novo-desenvolvimentismo[1], inspirado sobretudo no modelo do sudeste asiático, propõe, no âmbito social, políticas de distribuição de renda e inclusão social e, no âmbito econômico, um modelo export-led centrado numa política cambial que favoreça a industrialização (BRESSER-PEREIRA, 2005; 2007; DINIZ, 2010). Já o neodesenvolvimentismo[2] consiste em uma convenção que aceita uma política macroeconômica ortodoxa, centrada em juros altos, câmbio valorizado e política fiscal restritiva concomitantemente a adoção de políticas sociais que garantam um aumento autônomo da renda familiar dos grupos mais pobres, via aumentos do salário-mínimo, expansão do emprego formal e políticas de transferência condicionada de renda (ERBER, 2010; DINIZ, 2010).

            Na América Latina, no período entre 1980 e 1999, o número de pessoas pobres na região mais do que dobrou. Em 2000, a América Latina era a região mais desigual do mundo, com 5% da população de maior renda detendo 25% do PIB e 30% da população de menor renda possuindo apenas 7,6% do PIB (WERTHEIN & NOLETO, 2003, p. 18). Nessa região, o surgimento de governos de centro-esquerda na primeira década do milênio inaugura novas formas de gestão governamental com ampliação de programas sociais destinados a minimizar a fome, a pobreza e a desigualdade de renda, no âmbito urbano e rural e através de múltiplas perspectivas. Surgido nos anos 1990 como programa-piloto no México, Brasil e Honduras, os programas de transferência de renda condicionada ou “renda mínima” se proliferaram na região durante os anos 2000 e gradativamente passaram a ser implementados na África e na Ásia, através da Cooperação Técnica Sul-Sul. Esses programas possuem como fundamento básico a ideia de que toda família em situação de extrema pobreza (ou seja, cuja renda per capita mensal é menor do que o valor de uma cesta básica) possui direito a receber uma renda do governo com a contrapartida de cumprir determinadas condicionalidades, que variam de país a país (sendo o mais comum a exigência de que as crianças estejam matriculadas na escola e que estejam em dia com a vacinação e os cuidados em saúde) (CEPAL, 2009; 2011; BASTAGLI, 2009; DULCI, 2009; FIZBIEN & SCHADY, 2009). A política de transferência monetária de renda consolidou-se gradativamente como política de Estado, junto com uma vasta gama de programas sociais universalizantes, colocando como fundamental a necessidade de garantir crescimento econômico com redução das desigualdades.

A discussão clássica em torno da igualdade/desigualdade gira em torno da análise da participação efetiva dos cidadãos nas atividades produtivas que determinam o nível de riqueza e bem-estar em um determinado Estado-Nação. O mecanismo pelo qual a inclusão social se faz possível, desta forma, pode ser compreendido a partir de diferentes perspectivas práticas de intervenção (ou não intervenção) no contexto social. Contudo, fundamentalmente, as opções macroeconômicas passam necessariamente pela discussão do papel que o Mercado e o Estado desempenham na distribuição e participação na produção nacional.

Tratando do desenvolvimento como um processo compartilhado socialmente de indução das potencialidades humanas, Amartya Sen (2010, p. 18) assevera que “o que as pessoas conseguem realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras, como boa saúde, educação básica, incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas” (p. 18). O autor entende o desenvolvimento como consequência da ampliação das capacidades humanas para as pessoas levarem o tipo de vida que valorizam. Ou seja, na perspectiva de Sen, a garantia de manutenção de uma vida digna (princípio normativo proveniente da Teoria da Justiça de Rawls) e de acesso a direitos básicos, amplia as liberdades e potencialidades individuais, incidindo assim sobre o desenvolvimento das sociedades de maneira a equalizar disparidades que o desenvolvimento econômico tradicional (aumento do PIB e da renda per capita) por si só não corrigiria.

No que concerne à discussão referente às atribuições e papel do Mercado e do Estado na indução ao desenvolvimento, Stiglitz (2002), em seus trabalhos sobre o crescimento e competição na economia global, refuta a maneira convencional de se medir o próprio desenvolvimento, que tem sido, segundo o autor, ‘sistematicamente desmentida pela realidade’ (p. 47, 2002). Na perspectiva de Stiglitz, em um mundo crescentemente globalizado, há também crescentes assimetrias de informação, o que por sua vez incorre em uma competição imperfeita dos mercados globais e uma alocação também imperfeita na distribuição dos recursos. Nesse sentido, para o autor, o papel do Estado na regulação dos mercados e, mesmo na intervenção ativa na economia, pode representar uma melhor distribuição e alocação dos recursos como medida para corrigir ‘falhas do mercado’ o que, contrariando a teoria neoclássica, tem sido a regra e não a exceção (STIGLITZ & PRYCHITKO, 1994).

Numa perspectiva crítica semelhante, porém com preocupações mais relacionadas ao processo histórico de desenvolvimento das sociedades, o economista Há-Joon Chang (2004) identifica na proteção e investimento estatal ao longo dos anos o mecanismo pelo qual os países desenvolvidos ascenderam à condição que hoje se encontram. Estes países hoje desenvolvidos, por sua vez, segundo o autor, negam aos países em desenvolvimento (através de mecanismos multilaterais e financeiros), estas mesmas garantias protecionistas e promotoras do bem-estar social pela intervenção estatal deliberada na economia e na indução produtiva. O autor defende que países em desenvolvimento necessitam de certa intervenção estatal para proteger cidadãos e setores frágeis da economia para melhor se incorporarem à competição na economia global. Chang (2013) assevera também que o mérito é apenas parte da equação para o desenvolvimento. Assim, não é apenas a igualdade de oportunidades que deve ser buscada, mas também, de resultados verificáveis em longo prazo, visto que as pessoas não possuem habilidades nem características uniformes para se utilizar das oportunidades oferecidas. Caberia assim ao Estado a tarefa de corrigir desigualdades sociais a partir de políticas intervencionistas ativas de inclusão e correção de disparidades, que pelas próprias características competitivas do mercado e pelo ideário meritocrático, não iriam dirimir.

Em trabalho recente, Piketty (2014) analisa a desigualdade econômica inerente ao capitalismo do século XXI, a partir de um estudo sobre cerca de 1 000 empresas da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. Segundo o autor, executivos que passaram a ganhar dez vezes mais não aumentaram dez vezes a produtividade das empresas que comandam. Assim sendo, a desigualdade de renda no mundo, que caiu por muitas décadas no século passado, voltou a aumentar recentemente, segundo Piketty, por dois motivos: a) os rendimentos sobre o capital estão crescendo a uma taxa superior à da expansão da economia e; b) os salários e as bonificações recebidos por altos executivos têm sido elevados sem uma justificativa econômica. Nesse sentido, o capitalismo do século XXI não está recompensando os mais “talentosos”, e sim os donos do capital e os investidores de mercados financeiros. A melhor estratégia, portanto, seria taxar as grandes fortunas, o que implicaria em maior intervenção estatal na economia (PIKETTY, 2014).

Embora de grande valia ao analisar a concentração de riqueza, a abordagem de Piketty (2014) se debruça sobretudo na natureza do capital nos países desenvolvidos. De forma mais ampla, um relatório divulgado pelas Nações Unidas em 2013 intitulado Humanity Divided: confronting inequality in developing countries oferece uma ampla gama de informações sobre a desigualdade desde a década de 1980 até 2010. É ressaltado, sobretudo, que a igualdade de renda e a igualdade de oportunidades são indissociáveis e mutuamente interdependentes[3], algo que autores como Fraser (2007) já abordam em termos teóricos, clamando que o reconhecimento das diferenças não deve estar dissociado das políticas de redistribuição de renda.

Um dos principais argumentos clássicos refutados pelas análises empíricas recentes, apresentadas no Relatório Humanity Divided da ONU (2013), é a chamada Hipótese de Kuznets, segundo a qual a ampliação da desigualdade de renda, riqueza ou outras dimensões do bem-estar é um preço inevitável a pagar para crescimento econômico. Ou seja, países em etapas iniciais do desenvolvimento devem incorrer em maiores desigualdades para avançar a etapas seguintes (KUZNETS, 1955). Entretanto, muitos países (como o Brasil, por exemplo) ao longo dos últimos anos conseguiram aliar crescimento econômico e redução da desigualdade, tanto de renda quanto de oportunidades, através de uma combinação de políticas econômicas e sociais progressistas, muitas vezes acompanhadas pela maior participação e empoderamento daqueles que foram deixados para trás pelo processo de desenvolvimento (ONU, 2013).

Vale ressaltar, no entanto, que as políticas macroeconômicas das décadas de 1980 e 1990 frequentemente enfatizaram a estabilidade de preços sobre o crescimento e a criação de emprego. As reformas do mercado de trabalho enfraqueceram a posição negocial dos trabalhadores vis-à-vis os empregadores e, por fim, as políticas fiscais priorizaram a consolidação orçamentária em detrimento da tributação progressiva e investimentos públicos (especialmente em setores críticos, como educação e saúde).

Uma das perspectivas que se coloca como contraponto ao Consenso de Washington no século XXI, portanto, é a ideia de que, enquanto o crescimento econômico pode ser importante para melhorar o desempenho médio no bem-estar, ele não garante automaticamente melhorias mais rápidas nos resultados da educação, saúde e nutrição. Os governos podem desempenhar e, em alguns casos, têm desempenhado um papel-chave para atenuar as disparidades de renda por meio de gastos públicos sociais (ONU, 2013). Esse é o caso de diversos países latino-americanos, africanos e asiáticos, que tem buscado resgatar o papel do Estado como promotor do desenvolvimento e bem-estar, seja através da regulação estatal do mercado, seja através de política industrial e social para dirimir as desigualdades (de renda e de oportunidades).

Em consonância com o avanço do debate no âmbito acadêmico, no âmbito multilateral e governamental articula-se uma nova agenda social no Eixo Sul-Sul, que além de centrar-se domesticamente em temas como a redução da exclusão social, no plano internacional estará relacionada com “o inconformismo diante de uma posição periférica na ordem internacional, a aspiração por transformações na geopolítica mundial, pela busca da autonomia e pelo reforço da integração regional, pela diversificação de parcerias e alianças e pela defesa de novas formas de inserção no mercado internacional” (DINIZ, 2011, p. 502). Assim sendo, a busca por uma maior igualdade no âmbito interno passa a repercutir em um anseio por atuar em pé de igualdade com os outros países do sistema internacional. A Cooperação Sul-Sul do século XXI, assim como o próprio conceito de desenvolvimento, passam por transformações, e começam a considerar a dimensão social como elemento fundamental (MEDEIROS, 2016).

Nesse sentido, verifica-se uma retomada da atuação do Estado em prol do desenvolvimento interno e de uma atuação polimórfica no âmbito internacional, contrastando com o foco excessivo na diplomacia econômica característico dos anos 1980 e 1990. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio colocam metas como o combate à pobreza e à fome como parâmetros para os Estados balizarem sua atuação estatal. Também em contraponto ao Consenso de Washington (ligados ao FMI e ao Tesouro Americano), estabelece-se na década de 2000 um novo modelo ligado ao que diversos autores têm considerado ‘Consenso de Pequim’. O termo foi utilizado pela primeira vez em 2004 pelo consultor norte-americano Joshua Ramo, que descreve o sucesso do modelo com base em 3 princípios: 1) o compromisso com a inovação e experimentação à serviço de um crescimento econômico pacífico, igualitário e de alta qualidade; 2) a defesa dos interesses e fronteiras nacionais e; 3) combinação de uma política interna estável e rápido crescimento econômico (RAMO, 2004).

Esse modelo se baseia na utilização de vários laboratórios de políticas em regiões diferentes do país de modo a identificar as mais apropriadas a serem aplicadas no país inteiro, combinando interferência e laissez-faire. Trata-se de um modelo que dificilmente pode ser replicado em outros países, dadas as dimensões e peculiaridades da sociedade chinesa, mas que certamente constituem em fonte de inspiração para países da periferia tentarem traçar seus próprios caminhos em prol do desenvolvimento sem simplesmente absorver e implementar modelos econômicos e políticos advindos do Norte capitalista. Diversos autores têm trabalhado com o conceito de Consenso de Pequim para explicar as peculiaridades do modelo econômico chinês. Arif Dirlik (2006) ressalta que uma das peculiaridades do modelo chinês é a busca por relações externas em prol de uma nova ordem econômica global baseada no respeito às diferenças políticas e culturais entre países e regiões. Stefan Halper (2010) defende que um dos diferenciais fundamentais do modelo chinês é não necessitar da democracia para consolidar um crescimento econômico expressivo. E, no sentido oposto, o próprio crescimento rápido da renda se torna um dos fatores que garante a estabilidade política. John Williamson (2012), por sua vez, destaca 5 peculiaridades do Consenso de Pequim: 1) a implementação de reformas graduais ao invés de reformas bruscas (controle do tempo e velocidade das mudanças); 2) crescimento econômico puxado pelas exportações através da política cambial; 3) inovação e experimentações; 4) capitalismo de Estado (diferente do capitalismo de livre-mercado) e; 5) o autoritarismo político.

O Consenso de Pequim também possui reflexos em termos de cooperação internacional e está ligado à nova lógica que emerge no século XXI em torno da ascensão dos BRICS e da ordem multipolar. As formas de cooperação econômica, técnica e política se diversificam, possibilitando aos países menos desenvolvidos da periferia uma maior gama de alternativas em prol do desenvolvimento nacional, além de possibilitar uma barganha múltipla. A China tem baseado sua cooperação nos princípios de igualdade e benefício mútuo, ausência de condicionalidades políticas e econômicas e um componente de críticas implícitas às supostas segundas intenções da Cooperação Norte-Sul. Mais recentemente, tem se dedicado à cooperação econômica e a construção de infraestrutura na África, em uma espécie de disputa geoeconômica por espaço com as velhas potências inseridas no continente. A Índia tem contribuído com a inserção de produtos intensivos em tecnologia e produtos farmacêuticos a custo baixo no continente africano e sua cooperação é destacada nas áreas de Tecnologia da Informação, energia nuclear, tecnologia aeroespacial e energias renováveis. E o Brasil, por sua vez, tem investido no alto perfil diplomático e na modalidade técnica da cooperação, sobretudo com a América Latina e países da África Lusófona, com o compartilhamento da expertise de técnicas e tecnologias sociais dos órgãos do governo e empresas estatais brasileiras como o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Ministério da Saúde (MS), EMBRAPA, FIOCRUZ, entre outras (PEREIRA & MEDEIROS, 2015).

No continente africano, a África do Sul, integrada aos BRICS em 2010, tem investido fortemente na Cooperação Sul-Sul e na integração africana a partir do African Renaissance Fund (ARF), submetido ao diretório do New Partnership for Africa’s Development (NEPAD). O país tem promovido cooperação econômica através da concessão de empréstimos e assistência financeira a projetos de desenvolvimento, buscando ainda a promoção da democracia, da integração, do desenvolvimento socioeconômico e da prevenção e resolução de conflitos. A África do Sul busca se consolidar como motor do desenvolvimento regional, através do apoio à reestruturação institucional dos países vizinhos e apoio à revitalização econômica. O país ampliou também a partir da década de 2010 as relações com América Latina e Caribe e Oriente Médio, dentro do esforço por se consolidar como polo de cooperação no Sul (SOUTH AFRICA, 2010; 2011; SAIIA, 2008).

No continente como um todo, o chamado Renascimento Africano no século XXI está ligado a uma conjuntura em que diversos governos passar a olhar com desconfiança para as diretrizes impostas pelo FMI e Banco Mundial e considerar projetos autônomos de desenvolvimento ou buscando auxílio com outras fontes e modelos de cooperação. Após o vácuo de poder nos anos 1990 causado em parte pela focalização da política externa dos EUA no Oriente Médio e Ásia, na década de 2000 tem-se o Renascimento justamente na década em que os EUA entram em declínio e uma ordem multipolar parece emergir. O novo ânimo na busca por matérias-primas e recursos energéticos e minerais resultaram em uma revalorização da África por parte das velhas e novas potências.

Mas não é apenas por uma nova inserção externa no continente que a África se recuperou. Os próprios africanos adquiriram mais poder e o pessimismo dos anos 1990 parece ter sido deixado de lado. Com a proliferação de possibilidades e atores externos, provendo distintas formas de cooperação e investimento, a África recuperou a autonomia na hora de escolher seus parceiros externos, diversificando os laços com uma ampla gama de novos atores. Nesse sentido, abundam as ofertas de cooperação mais amigáveis aos interesses africanos, através da recuperação de valores e princípios do período inicial da Cooperação Sul-Sul (como ausência de condicionalidades, benefícios mútuos, não-interferência nos assuntos internos e cooperação horizontal). Soma-se a tudo isso uma revalorização da União Africana, com maior protagonismo na solução de problemas africanos (através do princípio da não-indiferença) e inclusive atuando no âmbito securitário, com uma abordagem multidimensional da chamada “segurança humana” (OLIVEIRA, CALVETE & CARDOSO, 2014).

Todas estas transformações sinalizam que a Cooperação Sul-Sul é fortalecida a partir da iniciativa de determinados atores com recursos materiais e de poder capazes de prover cooperação com base na reciprocidade em torno das trajetórias históricas comuns, caracterizadas pelo sentimento de pertencimento à periferia e ao mesmo tempo na percepção de que devem contribuir para uma mudança na estrutura do sistema mundial. Na década de 2000, questiona-se cada vez mais a estrutura da Organização das Nações Unidas e do Conselho de Segurança da ONU e diversos países clamam pela sua modificação, com base nas transformações que se processaram após 1945. Mesmo os instrumentos institucionais de Cooperação Sul-Sul no âmbito da ONU não dão conta das transformações na forma de cooperação internacional do século XXI, em que cada vez mais os Estados Nacionais, através de seus órgãos de cooperação internacional, promovem cooperação e financiamento com base em entendimentos políticos e no interesse na construção de uma ordem internacional menos assimétrica, cada vez menos com a intermediação de instituições internacionais como FMI, Banco Mundial e ONU. Nesse sentido, novas coalizões como o BRICS, o Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), as Cúpulas ASA (América do Sul-África) e ASPA (América do Sul-Países Árabes), a Cúpula do Sul, a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX) e a FOCAC (Fórum de Cooperação China-África), entre outros, são indicativos de uma tentativa de retomar uma identidade terceiro-mundista (agora chamada de identidade do Sul), desta vez com contornos mais pragmáticos em função do surgimento de uma semiperiferia ativa.

Desde a década de 1980, o não-alinhamento terceiro-mundista da Guerra Fria tem sido gradativamente substituído por uma perspectiva mais realista que reconhece as diferenças em termos de recursos econômicos e de poder no Sul e valoriza o papel que países-pivôs ou emergentes devam cumprir na Cooperação Sul-Sul. Nesse sentido, a periferia enxerga a ascensão dos BRICS de uma forma positiva, pois esses países possuem um maior potencial de transbordar recursos e capacidades acumuladas em seus entornos regionais e mesmo para fora de suas áreas de influência imediatas. O não-alinhamento, dessa forma, passa a ser substituído pelo multi-alinhamento como estratégia da periferia no século XXI. A proliferação de possibilidades de investimento e cooperação resgatam o poder de barganha dos países mais excluídos do sistema internacional e a perspectiva de estabelecer laços em bases mais horizontais com países que enfrentam os mesmos problemas sociais contribui para empoderar a periferia e ao mesmo tempo projetar os países emergentes (sobretudo os BRICS) como atores fundamentais na promoção do desenvolvimento internacional e na redução das desigualdades globais. Trata-se de uma maior convergência de interesses entre semiperiferia e periferia, resgatando a esperança em uma transição sistêmica que seja mais amigável aos interesses em uma ordem mais democrática, com menos concentração de poder e que valorize a diversidade de modelos de desenvolvimento.

Em suma, as tendências na cooperação internacional no século XXI são: a) a substituição crescente da cooperação econômica para uma cooperação social que promova o desenvolvimento, a redução das desigualdades e a geração de capacidades institucionais nos países receptores; b) a substituição crescente da estratégia do não-alinhamento pelo multi-alinhamento e a diversificação de laços com novas potências emergentes, possibilitando uma barganha múltipla e a minimização da dependência de organismos e instituições internacionais que, no passado, impuseram o neoliberalismo e o Consenso de Washington aos países da periferia como condição para o fornecimento de ajuda e; c) a retomada e revalorização de modelos de desenvolvimento que resgatem o papel do Estado como condutor do desenvolvimento, inspirados no Consenso de Pequim e nos modelos asiáticos de capitalismo de Estado, com a indução do desenvolvimento industrial e social a partir de uma tentativa de minimizar as externalidades de uma inserção na economia de mercado global. Resta saber, porém, se as recentes tendências identificadas em 2016 de “desglobalização” e individualismo em termos de política externa irão reforçar a bilateralidade, enfraquecer os mecanismos regionais de integração e dificultar a Cooperação Sul-Sul com base em um realismo econômico e uma tendência ao protecionismo e à introversão.

 

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WILLIAMSON, John. Is the “Beijing Consensus” now dominant? Asia Policy 13, janeiro de 2012.

 


[1] O novo-desenvolvimentismo prega a adoção de políticas cambiais que favoreçam as exportações (evitando a doença holandesa nos países subdesenvolvidos); a redução dos juros como forma de estimular o investimento privado e evitar que uma minoria da sociedade lucre com títulos da dívida, o que levaria a uma maior concentração de renda em favor dos mais ricos; a adoção de um modelo em que o crescimento tenha na formação e expansão do mercado interno de consumo de massas seu elemento propulsor e, por fim; uma política industrial ativa (BRESSER-PEREIRA, 2005; 2007; BIELCHOWSKY, 1988; ERBER, 2010; SICSÙ, PAULA & MICHEL, 2005; 2007).

[2] O neodesenvolvimentismo, segundo Diniz (2010), possui inspiração keynesiana e baseia-se numa visão de sociedade essencialmente cooperativa, manifesta através da visão de pacto social e com um viés focado nas políticas de inclusão social. O neodesenvolvimentismo valoriza “investimentos em infraestrutura e construção residencial, regidos pelo Estado, investimentos em inovação (amparados em incentivos fiscais, créditos subsidiados e subvenções), bem como na condução de uma política externa independente” (DINIZ, 2010, p. 520).

[3] Segundo o Relatório da ONU (2013), a análise dos fatores que explicam a desigualdade dentro dos países mostra que a desigualdade de renda é claramente um importante determinante das desigualdades na educação, saúde e nutrição. Por exemplo, 87% da variação na proporção de mortalidade infantil entre os quintis mais ricos e os mais baixos podem ser atribuídos a variações na desigualdade de riqueza.