A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E O NORDESTE BRASILEIRO
A participação dos governos subnacionais brasileiros (estados e municípios) em atividades de caráter internacional pode ser identificada desde o final do século XIX, a partir da promulgação da Constituição de 1891, quando os governos estaduais obtiveram autonomia para buscar empréstimos diretamente com organismos internacionais (1).
Essa atuação internacional adiantada dos entes brasileiros sofreu certo retrocesso a partir da década de 1930, em função da política de centralização e interferência do Governo Federal nesse período, voltando a estabelecer-se de forma mais intensa somente nos anos 1980. A Constituição de 1988 aprofundou a capacidade autônoma dos estados e municípios em diversos assuntos, no entanto, conservou a competência exclusiva do governo central brasileiro de gestão dos assuntos externos e celebração de atos internacionais (2).
A ausência de previsão constitucional não tem inibido, todavia, a denominada paradiplomacia (3) brasileira, que se manifesta por meio de missões ao exterior, captação de recursos, promoção comercial, estabelecimento de parcerias internacionais (4). Argumenta-se inclusive que a atividade internacional dos entes federados brasileiros prescinde de norma jurídica e possui legitimidade na medida que se refere a assuntos que os entes possuem competência constitucional (5). De fato, a área de relações internacionais tem sido vista como mais um instrumental à disposição de estados e municípios para promover o desenvolvimento regional e local, por meio de ações e projetos voltados para o incremento de setores como: saúde, educação, infraestrutura, meio ambiente, saneamento, habitação, gestão de resíduos sólidos etc.
Os benefícios que esses projetos podem trazer para o desenvolvimento e bem-estar dos territórios, aliado a outros fatores como a maior facilidade de acesso à informação e de diálogo com instituições externas, têm contribuído para o avanço da paradiplomacia no Brasil, embora de forma assimétrica e com dificuldades. Os entes federados brasileiros possuem níveis de desenvolvimento distintos e isso os diferencia em sua capacidade de atuar internacionalmente e nas suas motivações. Regiões mais desenvolvidas, tanto em termos institucionais quanto econômicos, despertam mais rapidamente para a paradiplomacia em razão do assédio de atores estrangeiros e das melhores condições materiais para se engajarem internacionalmente. Por outro lado, estados com baixos índices de desenvolvimento são incentivados exatamente pela sua condição mais precária e buscam participar de atividades internacionais para promover a região.
De forma geral, o Estado de São Paulo tem sido o mais ativo internacionalmente quando consideramos o número de projetos formais de cooperação internacional (6) em que se encontra envolvido. Trata-se, no entanto, do ente federado com o segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil (IDHM) e o estado com maior peso no PIB nacional (7). Desde 1991 o Estado de São Paulo possui uma Assessoria Especial de Assuntos Internacionais e a temática internacional está inserida nas atribuições de diversas secretarias estaduais. É interessante notar, no entanto, que os três próximos estados com maior número de projetos de cooperação pertencem à região Nordeste do país.
Os estados da Bahia, Pernambuco e Ceará possuem os melhores desempenhos na cooperação internacional, logo após o Estado de São Paulo (Quadro 1). Quando analisamos os projetos por região, verificamos que a região Nordeste tem sido a mais ativa nos últimos 15 anos (8), respondendo por cerca de 35,4% dos 612 projetos de cooperação internacional levantados (Quadro 2), muito em razão da atuação dos três estados citados. Os principais temas dos projetos têm sido inclusão, turismo, desenvolvimento econômico e social. As ações de cooperação visam, em grande medida, a diminuição da pobreza e combate à exploração, investimentos em saúde e capacitação, fortalecimento da economia local e desenvolvimento sustentável. Ressalta-se ainda que a maioria dos projetos de cooperação financeira tem sido com as principais instituições financeiras internacionais (9) e que a cooperação bilateral não tem se pautado majoritariamente na cooperação Sul-Sul, mas ocorrido com países como Japão, Alemanha, França, Canadá e Espanha.
Quadro 1 – Projetos de cooperação internacional, por estado
(1999-2014)
Fonte: Elaboração própria com base em dados coletados para pesquisa.
Quadro 2 – Projetos de cooperação internacional, por região
(1999-2014)
Fonte: Elaboração própria com base em dados coletados para pesquisa.
Esses dados evidenciam como a região possui potencial para a cooperação internacional e como a paradiplomacia pode interessar aos governos desses estados em certos momentos. Entretanto, a região ainda não possui as melhores condições para fazer avançar as suas relações internacionais e as atividades dos estados mais dinâmicos (Bahia, Ceará e Pernambuco) ocorrem, em grande medida, devido ao empenho de alguns governantes e ao diálogo já estabelecido com entidades estrangeiras, não se consubstanciando, portanto, de forma regular e duradoura ao longo do tempo.
Os principais obstáculos relatados têm sido a falta de estratégia definida em termos de política internacional, problemas de estrutura (como local apropriado, equipe própria e pessoal suficiente), falta de interesse das lideranças, despreparo dos gestores, problemas de qualificação da equipe, falta de orçamento próprio, descontinuidade das ações internacionais (especialmente com a mudança de governo), falta de autonomia da área internacional dos estados e municípios. O nível de desenvolvimento do estado também parece interferir na sua estrutura e no ambiente paradiplomático, de tal maneira que estados mais desenvolvidos tendem a estabelecer órgãos específicos para lidar com assuntos internacionais ao longo da sua trajetória. Assim, embora a cooperação internacional possa ser percebida como uma ferramenta relevante para a concretização de políticas públicas subnacionais, há percalços que estão relacionados tanto com a condição material da região (que não dispõe de recursos suficientes para investir e sustentar uma estrutura burocrática mais complexa), quanto com a visão de prioridade dada à área internacional dentro dos governos. O interesse de fazer relações internacionais pode surgir de considerações sobre a realidade local ou de percepções subjetivas e muitos governantes dos estados nordestinos tem tido essa clareza.
Notas
(1) Antes da Constituição de 1934, não havia a previsão de aprovação prévia pelo Senado Federal dos empréstimos externos contraídos pelos estados brasileiros. Para maiores informações sobre a paradiplomacia financeira sugerimos os estudos de José Nelson Bessa Maia.
(2) A Constituição de 1988 permite que os entes possam contrair empréstimos externos, desde que autorizados pelo Senado Federal.
(3) Denominação recorrentemente dada à atuação internacional dos governos subnacionais dos países.
(4) Os instrumentos internacionais mais utilizados pelos entes brasileiros nas suas parcerias têm sido: Memorando de Entendimento, Protocolo de Intenções, Acordo interinstitucional, Acordo de Cooperação e Ajuste Complementar de Cooperação Técnica. Os Memorandos de Entendimento e os Protocolos de Intenções consistem em instrumentos mais informais de cooperação e não possuem força obrigacional. Para maiores informações ver Atos internacionais. Prática diplomática brasileira. Manual de Procedimentos. Brasília: Divisão de Atos Internacionais, MRE, 2010. Disponível em <http://dai-mre.serpro.gov.br/clientes/dai/dai/manual-de-procedimentos/manual-de-procedimentos-pratica-diplomatica>.
(5) Entende-se não ser necessário a existência de uma norma jurídica que autorize os entes a fazerem relações internacionais, mas tal norma, por outro lado, poderia garantir legalidade, transparência e segurança aos atos firmados. Ver RODRIGUES, Gilberto Marcos Antônio. (2011), Marco Jurídico para a cooperação internacional descentralizada. São Paulo: Frente Nacional de Prefeitos. Disponível em http://www.paradiplomacia.org/upload/downloads/f47047c64dd80128160307fc8dbe0d29doc-fnp.pdf.
(6) Levantamento que fizemos referente ao período de 1999-2014. Foram pesquisados os projetos de cooperação financeira e técnica internacional de todos os estados brasileiros. Ver FROIO, Liliana Ramalho. (2015), Paradiplomacia e o impacto da alternância de governos na atuação internacional dos estados brasileiros. Tese (Doutorado em Ciência Política) - PPGCP/UFPE, Recife.
(7) O Estado de São Paulo representa cerca de 32,6% do PIB nacional e só perde para o Distrito Federal em termos de IDHM.
(8) Ressalta-se que a maioria desses projetos é anterior ao ano de 2007.
(9) Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BIRD).
Profa. Dra. Liliana Ramalho Fróio
(Professora Adjunta do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba – DRI/UFPB http://www.ccsa.ufpb.br/dri/)