Envolvimento do setor privado brasileiro nas relações Brasil-Angola durante o governo Lula (2003-2010)

Data de inserção: 26/12/2016

 

Vinicius Sousa dos Santos

Recentemente, o ex-presidente Lula foi acusado por organização criminosa, corrupção passiva, lavagem e tráfico de influência em investimentos feitos pela empreiteira Odebrecht em Angola durante o seu governo. Tendo em vista estes últimos acontecimentos, será objeto de análise o envolvimento do setor privado brasileiro em Angola, e como este elemento se relaciona com a cooperação Sul-Sul desenvolvida entre os dois países no período do governo Lula. De início, podem ser considerados alguns os pontos de conexão, como o uso da parceria intergovernamental para o incentivo à ampliação dos IED; a repercussão indireta da cooperação Sul-Sul sobre a receptividade das empresas brasileiras; e o interesse da parte angolana em ampliar o fluxo de IED com o Brasil em consonância com o aumento dos acordos de cooperação entre os dois países (Abdenur; Rampini, 2015).

Conforme visto na tabela a seguir, houve certa evolução no fluxo de investimentos do Brasil para Angola no período de 2003-2010.

 

Tabela 6: IED brasileiros em Angola (2003-2010)

Ano

Valor (milhões US$)

Quantidade de Investidores

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

22

24

17

20

73

58

124

44

ND[1]

ND[2]

ND[3]

ND[4]

3

6

6

10

Elaboração própria. Fonte: BCB, 2016.

 

Somando os valores alcançados a cada ano, foram investidos US$ 382 milhões, sendo que a principal variação nos investimentos ocorreu entre 2008-2009, quando houve um aumento de aproximadamente 114%. Segundo dados do IPEA e do Banco Mundial (2011), Angola concentrou a maior parte dos IED brasileiros destinados a África, sobretudo devido à presença da Petrobrás, da Vale, e de empresas voltadas para a construção civil, como a Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Queiroz Galvão e a Odebrecht. Acerca disso, o primeiro fluxo de IED do Brasil para Angola foi da Petrobrás, em 1979, enquanto a Odebrecht se destaca pelo número de projetos[5], estando em atividade no país há mais de 30 anos, desde 1984, com a construção da barragem de Capanda[6] (Badin; Morosini, 2014). Segundo relatório da Odebrecht (2014), foram desenvolvidos onze projetos, em parceria com o governo angolano e voltados para a construção civil. Ressalta-se também a participação da Camargo Correa, que abriu escritório em Angola em 2006 e possui negócios voltados para a prospecção de áreas adequadas para a mineração de cobre e níquel.

Outro dado relevante diz respeito à quantidade de investidores brasileiros em Angola. Infelizmente, as informações referentes aos quatro primeiros anos do período não estão disponíveis para consulta no portal do BCB. No entanto, é possível asseverar, em referência aos quatro últimos anos, que houve um expressivo aumento no número de agentes iniciando seus investimentos em Angola. Assim, tendo como base de cálculo os anos de 2007 e 2010, presentes na tabela 6, o acréscimo foi de aproximadamente 230%. Apesar de os investimentos brasileiros estarem concentrados na construção civil – como em 2008 e 2009, no qual os valores só faziam referência a este setor – foi possível perceber também a participação de pequenas e médias empresas (PME) em Angola, sobretudo no ano de 2010 (IPEA; BM, 2011).

No período de 2003-2010, de acordo com o relatório do IPEA e do Bando Mundial (2011), Angola foi o país africano que obteve o maior número de investimentos de PME brasileiras, que atuavam nos setores de alimentos; educação; construção civil; agricultura; comércio varejista; processamento; maquinários; e e-commerce. Isso possibilitou a abertura do centro de negócios da ApexBrasil em 2010, com vistas a dar o suporte necessário para os investidores brasileiros, e a aproximação entre a Agência Nacional para Investimento Privado (ANIP) de Angola e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) (IPEA; BM, 2011). Atrelado a isso, ressalta-se a participação da AEBRAN, criada em 2003 e que tem como função ampliar as relações econômicas entre os dois países. A associação possui mais de 50 empresas associadas e que atuam em quase dez setores de atividade diferentes[7].

Em detrimento dos riscos de investir em Angola, o passo adiante do setor privado no período foi incentivado por algumas iniciativas do governo brasileiro. A principal foi a maior participação do BNDES, que possibilitou o lançamento e a implementação de empréstimos subsidiados a empresas brasileiras (Júnior; Faria, 2013). Como exemplo, entre 2003-2010, o BNDES disponibilizou um total de aproximadamente US$ 3 bilhões para operações de comércio e investimentos com Angola (Badin; Morosini, 2014)[8].

Para Badin e Morosini (2014), houve três aspectos que impactaram positivamente no processo de concessão de crédito no período: 1) tais concessões foram suportadas pelos seguidos acordos de cooperação (foram 33 acordos de cooperação técnica); 2) fortalecimento da cooperação trilateral, com a interação dos países do Norte e das Organizações Internacionais nos projetos de CSS; 3) participação mais ativa do setor privado dos países do Sul nos projetos de cooperação com os demais países demandantes. Para ambos os autores, as relações econômicas entre Brasil e Angola são caracterizadas pela conexão entre os atores públicos e privados nas transações (Badin; Morosini, 2014). Eles asseveram que a facilitação na concessão de crédito é complementar a outras iniciativas inseridas nas relações Brasil-Angola, como o comércio, as finanças, a cooperação técnica e os investimentos.

Apesar do interesse do setor privado brasileiro em investir em Angola, o país possuiu limitações quanto ao número de investimentos, levando em consideração o montante disponível, por exemplo, pela China, país que foi capaz de investir quase US$ 3 bilhões em Angola somente em 2009 (Kabunda, 2011; Visentini, 2015).

Do ponto de vista do governo angolano, a interação com o setor privado brasileiro é benéfica. Segundo o presidente José Eduardo dos Santos[9], o governo angolano ambicionou aproveitar a experiência brasileira, transmitida pela aproximação do setor privado, para revitalizar sua indústria e economia. A consolidação das empresas brasileiras no mercado angolano, alcançada sobretudo pelo suporte do BNDES, colaborou para a geração de emprego e renda para o povo angolano. O governo brasileiro só incentivava a ida de empresas brasileiras para Angola caso elas contratassem mão-de-obra local, transferissem tecnologias e respeitassem as tradições do país. Como exemplo, o IPEA e o BM (2011) apresentam que o contingente de angolanos na Odebrecht é tão expressivo que até os cargos mais estratégicos são ocupados por nacionais, o que faz com que a empresa seja considerada o maior empregador privado do país.  

Portanto, as suspeitas que hoje circundam este legado devem também ser analisadas a partir dos pontos positivos deixados, para que não se enviese a análise e perca de vista o importante contributo do Brasil para a economia angolana. Por fim, é válido ressaltar dois aspectos: primeiro, a expansão no relacionamento Brasil-Angola fez com que este país africano se tornasse um dos maiores receptores de IED brasileiros na África e um sustentáculo para as ambições brasileiras de política externa no continente; segundo, os investimentos também foram relevantes para que Angola conseguisse reverter seu status econômico, sobretudo porque muitos empreendimentos eram voltados para a promoção da infraestrutura (Sobreira, 2013). 

 

Referências bibliográficas

ABDENUR, Adriana Erthal; RAMPINI, João Marcos. A cooperação brasileira para o desenvolvimento com Angola e Moçambique: uma visão comparada. In: RAMANZINI JÚNIOR, Haroldo; AYERBE, Luis Fernando (Org.). Política externa brasileira, cooperação Sul-Sul e negociações internacionais. São Paulo: Cultura Acadêmica, 1 ed, 2015, 178 p.

Agência Angola Press. Sobre Angop. Disponível em: < http://www.portalangop.co.ao/>. Acesso em: 15 set. 2015.

BADIN, Michelle Ratton Sanchez; MOROSINI, Fábio. The Brazilian Approach to its South-South Trade and Investment Relations: The Case of Angola. In: FGV Direito SP, São Paulo, dez. 2014.

Banco Central do Brasil – BCB. Capitais Brasileiros no Exterior (CBE) – 2001-2006. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pt-br/paginas/default.aspx>. Acesso em: 01 out. 2016.

Banco Central do Brasil – BCB. Capitais Brasileiros no Exterior (CBE) – 2007-2013. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pt-br/paginas/default.aspx>. Acesso em: 01 out. 2016.

Banco Mundial – BM. Data – Angola. Disponível em: <http://data.worldbank.org/country/angola>. Acesso em: 01 out. 2016.

BBC. Angola country profile – Overview. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-africa-13036732>. Acesso em: 01 out. 2016.

IPEA; BM. Ponte sobre o Atlântico: Brasil e África Subsaariana: parceria Sul-Sul para o crescimento, Brasília, 2011.

Jornal de Angola. Início. Disponível em: <http://jornaldeangola.sapo.ao/>. Acesso em: 15 set. 2016. 

JÚNIOR, Wilson Mendonça; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta. A cooperação técnica do Brasil com a África: comparando os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula da Silva (2003-2010). In: IV Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), Cooperação Internacional com a África – Política Externa, Belo Horizonte: PUC MINAS, jul. 2013, p. 1-18.

KABUNDA, Mbuyi. La cooperación Sur-Sur em África: el caso de los países emergentes. In: KABUNDA, Mbuyi (org.). África y la cooperación con el Sur desde el Sur. Madrid: Ed. Catarata, 1ª ed., 2011, 336 p.

SOBREIRA, Shimenia Monte Clario de Araújo. A Política Externa Brasileira em Relação à África: o Soft Power em ação no caso angolano.  Dissertaçao (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade do Minho, Escola de Economia e Gestão, 2013.

VISENTINI, Paulo Fagundes. As Relações Brasil-Angola: pivô da diplomacia africana. In: 5º Encontro Nacional da ABRI, Redefinindo a Diplomacia num mundo em transformação, Belo Horizonte: PUC MINAS, p. 1-16, jul. 2015. 

 

 

 



[1] Dado não disponível;

[2] Dado não disponível;

[3] Dado não disponível;

[4] Dado não disponível;

[5] Segundo o relatório, a Odebrecht tem mais de 25 projetos de destaque em Angola (Odebrecht, 2014);

[6] Tem uma capacidade instalada de 520 MW, e abastece cinco províncias angolanas: Melanje, Kwanza-Norte, Luanda, Kwanza-Sul e Bengo (Odebrecht, 2014);

[7] Disponível em: http://aebran.co.ao/portal/sobre-a-aebran/;

[8] Por razões de confidencialidade, o valor apresentado acima não foi divulgado pelo BNDES. Contudo, em consulta feita pela BBC Brasil, o valor acima descrito foi apresentado pelo BNDES (Badin; Morosini, 2014, p. 17);

[9] Disponível em: http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/renovacao_da_industria_recebe_suporte_do_brasil;