Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimento (ACFIs) do Brasil:

Data de inserção: 25/07/2016

 

Em março de 2015, no bojo de outras ações voltadas para aumentar a competitividade das exportações e dos fluxos de investimentos do Brasil no exterior, o governo Rousseff[1]  inaugurou um novo modelo de regulação nos marcos da diplomacia Sul-Sul: os Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs). Este é resultado de um trabalho entre Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior juntamente com o das Relações Exteriores, Fazenda, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), Banco Central e o setor privado (MDIC,2015). Além do trabalho inter-agência, o modelo se baseou em contribuições de organismos internacionais (tais como UNCTAD e OCDE).  (MDIC, 2016)

 

De acordo com o MDIC, os principais objetivos destes acordos são 1) promover melhoria da governança institucional, 2) desenvolver agendas temáticas para cooperação e facilitação dos investimentos; e 3) criar mecanismos para mitigação de riscos e prevenção de controvérsias. Foram negociados ACFIs com Moçambique (30 de março de 2015), Angola (1 de abril de 2015), México (26 de maio de 2015) Malawi (25 de junho de 2015), Colômbia (3 de setembro de 2015), Chile (23 de novembro de 2015) e Peru (29 de abril de 2016). Os sete textos negociados encontram-se em tramitação na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Congresso Nacional. Cada relator designado (tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal) deve apresentar um parecer final para a CREDN. Se a avaliação for favorável, o documento segue para a ratificação no Executivo.

Trata-se uma alternativa pragmática ao atual sistema econômico liberal, marcado pelos acordos multilaterais (o Trade-Related Investment Measures - TRIMS, no âmbito da Organização Mundial do Comércio e o Acordo Multilateral sobre Investimentos - AMI, no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico -OCDE) e principalmente pelo acordos bilaterais de promoção e proteção de  investimento também conhecidos como BITs (na sigla em inglês). Os BITs  caracterizam-se pela cobertura de riscos políticos envolvendo admissão do investimento, tratamento, expropiação e solução de controvérsias. Sobre o último ponto, cabe destacar que os mecanismos jurídicos para solucionar os litígios podem ser tanto de forma ad hoc (quando há disputas entre dois Estados) quanto de forma institucional (por instituições como a Câmara de Comércio Internacional ou o Centro Internacional para Resolução de Conflitos sobre Investimentos).

 

Na década de 1990 muitos países em desenvolvimento, como a Argentina, assinaram uma quantidade significativa destes acordos bilaterais. No Brasil, uma das preocupações que permearam o Congresso Nacional foi  a possibilidade de que este modelo de  tratados pudesse  cercear a capacidade dos governos em formularem políticas públicas para o desenvolvimento.  Além disso, acreditava-se que os BITs não eram indispensáveis para atração de capital estrangeiro (MOROSINI;BADIN, 2016).

 

O modelo brasileiro não prevê o chamado Investor-State Dispute Settlement (ISDS). Os litígios serão resolvidos no nível inter-governamental.  Outra novidade dos ACFIs está na cooperação entre agências governamentais dos países (incentivando os investimentos recíprocos e internacionalização das empresas) e consideração às leis nacionais dos países acordantes. Para isso, criou-se a Ombudsman ou “Pontos Focais”, no Brasil, representado pela CAMEX. Este  mecanismo foi inspirado no modelo dos acordos sul-coreanos. Ao estabelecerem organismos de referência, os investidores serão auxiliados pelos países onde estarão trabalhando, com informações e apoio para facilitar processos burocráticos frente às legislações locais.

 

No campo da governança institucional foi estabelecido o Comitê Conjunto, órgão dos governos dos países que monitora a implementação do acordo e debate sobre pontos específicos de cooperação potencial no campo do investimento (como por exemplo, diálogo entre autoridades financeiras e monetárias, integração logística ou facilitação de vistos de negócio)[2]. Além disso o comitê desenvolverá ações de promoção mas também prevenção de controvérsias empresariais. Neste espaço é previsto a participação do setor privado e da  sociedade civil em questões pontuais. O empresariado ainda poderá ser convidado a compor os grupos de trabalho ad hoc do órgão.

 

Desde 2013, a Confederação Nacional das Indústria (CNI) demanda uma agenda política de apoio à internacionalização produtiva das empresas brasileiras. Na esfera da política econômica externa já se falava em “coordenar iniciativas de promoção e interlocução intergovernamental”, “intensificar o apoio da diplomacia brasileira à defesa dos interesses das empresas junto aos governos dos países de destino dos investimentos” e também em “negociar acordos de promoção e proteção de investimentos” (CNI, 2013). Atualmente, os ACFIs estão entre as prioridades políticas desta entidade. Segundo a “Agenda Internacional da Indústria 2016”, a CNI apoia a celebração de acordos em âmbito sub-regional (com países do Mercosul) e bilateral (com países africanos, sul-americanos e com o Japão) (CNI,2016).

 

Além das questões domésticas o contexto internacional também pressionou o Brasil na direção de um novo modelo. Nos últimos anos, em muitos países, os BITs criaram grandes controvérsias políticas, sobretudo devido ao avanço do mecanismo de arbitragem investidor-Estado, presente em tratados mega-regionais (Parceria Transpacífica e Parceria Transatlântica) e diversos acordos bilaterais de investimento. As provisões destes tratados são voltadas fortemente para a defesa dos direitos das empresas e dos investidores. Vários casos recentes ilustram como questões sociais foram afetadas pelos direitos corporativos em detrimento do interesse público. A multinacional dos tabacos, Philip Morris, por exemplo é conhecida por dois litígios envolvendo  a Austrália e o Uruguai, países que desenvolveram campanhas anti-tabagistas.



[1] Entre outras ações estão o  acordo firmado entre Brasil e  Estados Unidos, em junho de 2015, que incluía reforma de práticas aduaneiras, facilitação do comércio e registro de patentes.

 

[2] Os mecanismos regulatórios preveem programas de transferência de fundos, procedimentos de visto e licenças técnicas ou ambientais, mas também dispositivos que abordam transferência de tecnologia, capacitação e outros que contribuem para superar as assimetrias estruturais entre as partes (Brasil e seus parceiros).

 

 

Referências

 

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem n. 23: Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República de Moçambique. Janeiro, 2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1429376&filename=Tramitacao-MSC+23/2016

 

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS. Agenda Internacional da Indústria 2016. Disponível em: http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2016/06/20/11240/AgendaInternacional2016_web_201605.pdf

 

______. Relatório dos Investimentos Brasileiros no Exterior. Brasília: CNI, 2013.

 

GARCIA, Frank. Os acordos de investimento do século XXI: justiça, governança e Estado de Direito. Pontes, v. 12,n.5. 2016. Disponível em: http://www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/os-acordos-de-investimento-do-s%C3%A9culo-xxi-justi%C3%A7a-governan%C3%A7a-e-estado-de

 

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Plano Nacional de Exportações 2015-2018. Disponivel em: http://abiquifi.org.br/noticias/estudos/2015/PNE%20-%202015-2018.pdf

 

______. Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimento Acordos em negociação. Negociações Internacionais (DEINT). Comércio Exterior. Disponível em: http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=4528&refr=1893

 

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Seminário sobre acordos e facilitação de investimentos com embaixadores africanos. Ministério das Relações Exteriores - Brasil, Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iJQSMIjBvoo

 

MOROSINI, Fábio Costa; BADIN, Michelle R. Sanchez. The Brazilian Agreement on Cooperation and Facilitation of Investment ACFI:  a new formula for international investment agreements? Agosto de 2016. Disponível em: https://www.iisd.org/itn/2015/08/04/the-brazilian-agreement-on-cooperation-and-facilitation-of-investments-acfi-a-new-formula-for-international-investment-agreements/